Girafa ou um Bicho Alado

As duas girafas de quatro patas, tronco comprido e pele pintada, passeavam juntas pela floresta. A maior olhava a mais pequena com carinho e orgulho. Partilhava com ela um longo e calmo passeio quando, de repente, a mais pequena levanta os doces olhos e pergunta à mãe:

-Mãe, um dia disseste que ia ficar tudo bem e não está...

- Como não está filha? O que é que tu tens?

- É mais o que não tenho, mãe.

- Mas filha, tens fome? Queres ir até àquela árvore, é rasteirinha e sei que consegues chegar lá.

- Não mãe, eu não tenho fome...

- Bom, tens sede então? Queres ir até àquele lago. Chegamos facilmente, é só mais alguns metros.

- Não mãe, também não tenho sede...

- O que é que se passa então querida? É com o teu pai? É com os teus irmãos? Aconteceu alguma coisa na escola?

- Não mãe, está tudo bem com o pai, está tudo bem com os manos e está tudo bem na escola...

- Oh filha, então está tudo bem! Não tens nada que te preocupar. Vamos até ao lago. Estou com sede – afirmou a mãe.

A mãe girafa e a girafa filha caminharam em silêncio até ao lago. Quando debruçavam lentamente os longos pescoços em direcção ao chão, os seus olhos reflectiram-se na água e cruzaram-se. A girafa mãe espantada, pergunta à filha:

- Que olhos são esses filha?

-  São os teus...

-Estou a falar dos teus, filha! Que tristeza tão triste é essa que trazes nos teus olhos?

- É a tua mãe.

- Filha, já estou a ficar chateada contigo. Eu estou a perguntar-te que tristeza é essa que vejo nos teus olhos, não nos meus.

- E eu estou a dizer-te mãe, que o que vês nos meus olhos é o que poderás ver nos teus, esta tristeza que vês é aquela que vejo nos teus – diz a filha com medo que a mãe brigasse com ela.

- Mas o que é que tu queres? Já te perguntei  o que é que tens, o que é que aconteceu e tu não me sabes responder. Estás confusa, é normal. Não te preocupes!

- Mas mãe...

- Já te disse que estás confusa se calhar. Não te preocupes. Vamos até ali comer um pouco daquelas folhas que estão naquela árvore. Àquela chegas sem teres que te esticar muito e as folhas estão verdinhas como nós gostamos. Vamos.

- Mas mãe... – tenta mais uma vez a pequena girafa.

- O que é filha? O que é que tu queres?

- É mais o que não quero afinal.

- O que é que tu não queres então?- indaga a mãe já farta daquela conversa.

- Não quero ser uma girafa.

A mãe, indisposta com tamanha prepotência e arrogância, obriga a filha a ver a realidade.

- Não queres mas és e não podes fazer nada quanto a isso. Girafa nasceste, girafa serás.

A girafa pequena, cada vez mais pequena, continuou o seu caminho até à arvore que a mãe lhe indicou. No dia seguinte, a girafa mãe fazia o jantar para os cinco: ela, o marido e os três filhos,. Quando chamou pela filha para que a ajudasse a pôr a mesa, não obteve resposta. E chamou, chamou, chamou até que o nome deixou de ser nome para ser um conjunto de letras gritado. Procurou no quarto, perguntou aos filhos pela irmã, foi à casa de banho e nada. A filha não estava em parte nenhuma da casa. Lembrou-se e foi até ao quintal. Era um sítio onde a filha gostava de passar o seu tempo livre, no meio das flores, dos pássaros, dos barulhos da natureza. Assim que chegou à casa da árvore e olhou pela janela viu a filha com o martelo na mão e, alguns pregos, a construir algo. O pai acompanhava-a. Estava sentado ao lado dela passando-lhe, silenciosamente, os pregos à medida que esta lhos ia solicitando, também em silêncio. A mãe abre a porta.

- Estão aqui! Andei à vossa procura. Filha queres vir ajudar-me a pôr a mesa para o jantar?

- Agora não posso mãe, estou a construir.

- Está bem. Vens tu ajudar-me querido? O pai, em silêncio, acena negativamente com a cabeça.  A mãe girafa indignada pela falta de ajuda interpela:

- Mas o que é que vocês tanto constroem aí?

- Estou a construir umas asas, diz a filha feliz.

- Umas asas?! Umas asas para quê?- pergunta incrédula a mãe que nunca tinha visto a filha tão decidida.

- Mãe, eu disse-te que não quero ser uma girafa. Quero ser uma ave. E sim, ainda não sei qual a espécie. Existem tantas possibilidades e tenho medo de arriscar. Mas estou a fazer as asas porque depois sei que posso ser qualquer uma. Desde que tenha asas e possa voar...



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